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ROGÉRIO NERY ENTREVISTA: GUSTAVO DEBS (ZUP)

E pouco mais de 10 anos, a carreira de Gustavo Debs deu um salto.

Antes de mesmo de se formado em Ciência da Computação no Centro Universitário do Triângulo,
em Uberlândia, Debs conseguira uma vaga de programador na Algar Telecom, em 2008.

No ano seguinte, já cursando Administração na Universidade Federal de Ouro Preto, assumiu
a função de gerente de desenvolvimento de novos produtos.

Dois anos depois, recebeu um convite do ex-Head de Inovação da Algar, Bruno Pierobon, para
se juntar a ele e outro colega da Algar, Flavio Zago, no projeto que criaria a Zup.

A ideia, então, era a de criar uma de start up para desenvolver soluções digitais com foco no
mercado corporativo.

Logo, a Zup começava a ganhar reputação além das fronteiras de Minas Gerais. Seus softwares
para integração de sistemas foram contratados na aceleração digital de clientes como Vivo,
Via Varejo, Banco Original e Santander.

O sucesso despertou o interesse um grande investidor, o banco Itaú Unibanco. Negócio que
veio a se concretizar no final de 2019, quando o Itaú anunciou a aquisição da Zup por um valor
estimado em mais de meio bilhão de dólares.

Foi o ápice de uma trajetória de oito anos desse profissional talentoso – o mais jovem dos quatro
que lideraram a expansão da Zup.

“Temos possibilidades gigantescas de criar grandes
produtos/plataformas e inovações em conjunto que
irão impactar o setor de tecnologia do Brasil e até
do mundo,   diz o COO da Zup, onde é responsável pela gestão de operação e tecnologia.”

“Debs tem uma visão incrível e, mesmo sendo tão novo, é uma voz a qual recorro sempre que preciso me aconselhar sobre temas como tecnologia, inovação e gestão diz o CEO da Rede Integração, Rogério Nery.”

Nessa entrevista, Debs fala dos desafios do mercado em meio à pandemia e de questões como a importância da diversidade no local do trabalho para que se crie um ambiente voltado para a inovação.

1 – Rogério Nery Siqueira Silva – Muitos disseram que a pandemia acelerou em anos a transformação digital de muitas empresas no Brasil. Você concorda? Já há indicadores que demonstrem essa tese? Há algum exemplo interessante que ilustre essa percepção? E de que modo a Zup tem contribuído para essa mudança nessa década? Qual aquele case do qual você mais se orgulha?

Gustavo Debs – Concordo bastante. Vimos nossos clientes com um apetite bem maior para a contratação de novos produtos e projetos. E uma grande movimentação de vários setores que não tinham uma estratégia para o digital e tiveram que repensar completamente seus modelos de negócio. Acho que temos vários exemplos de transformação: você consegue imaginar um restaurante hoje que não utilize aplicativos de delivery? Vimos grandes empresas do varejo sofrerem perdas significativas por não terem uma estratégia digital para enfrentar a realidade imposta. Vimos o setor financeiro lançar apps e funcionalidades em tempo recorde para auxiliar a população. Desde o nascimento da Zup, em 2011, trabalhamos nos mais diversos setores atuando diretamente na transformação digital de grandes empresas de setores como varejo, telecomunicações, financeiro e até transportes. Ao longo do tempo ganhamos muitos prêmios de inovação. Os que mais me orgulham, porém, são os que impactam diretamente a vida dos consumidores finais – seja na facilidade de resolver um problema via um aplicativo em que, no passado, seria preciso ir a algum local físico (o que nesta quarentena seria impossível); seja melhorando o controle de seus gastos; seja ajudando vendedoras autônomas a vender mais e melhor.

2 – Rogério Nery Siqueira Silva – Como você viu a explosão do e-commerce nesse ano? Em que aspectos tecnológicos as empresas. algumas até de muito prestígio que mal estavam nesse ambiente, devem ficar atentas para poder ter mais chances de competir por um consumidor cada vez mais digital?

Gustavo Debs – Nós, do setor da tecnologia, dizemos que a pandemia acelerou a transformação digital em uns 10 anos. Como você bem disse, empresas sem nenhuma estratégia para o digital ficaram encurraladas diante do novo cenário imposto. Acho que a presença digital vai bem além de ter um e-commerce. É mais sobre adaptar-se a uma nova realidade, entendendo bem a necessidade do cliente. Você pode ter um e-commerce com a melhor tecnologia existente. E, mesmo assim, entregar uma experiência horrível.

3 – Rogério Nery Siqueira Silva – É verdade que o Brasil vive um certo déficit de desenvolvedores de TI? O que deveria ser feito para solucionar isso? E quais os principais atributos que vocês buscam em um profissional, além do conhecimento técnico?

Gustavo Debs – É verdade, é um déficit alarmante. É estimado que no momento temos 100.000 vagas para o setor de tecnologia não ocupadas por falta de mão de obra especializada. Por algum motivo, a nossa educação básica não favorece os jovens a seguir carreiras que têm as exatas como matérias predominantes. Em programas de formação básica em programação, em que vemos apenas o raciocínio lógico, percebemos o quanto estamos longe de um cenário ideal. A iniciativa privada vem fazendo a sua parte, por meio de programas de aceleração de profissionais recém-formados e, devido a criticidade do tema, até mesmo para os que estão na faculdade. Mas se não fizermos esse trabalho na base, a médio e longo prazo, não resolveremos o problema na raiz. Na Zup, estamos evoluindo em nosso processo, buscando dois aspectos principais: comportamental (cultura da empresa) e carga cognitiva, uma vez que a tecnologia muda a todo momento e o stack tecnológico que utilizamos é muito particular.

4 – Rogério Nery Siqueira Silva – Em artigo no LinkedIn, você defende que a cultura corporativa é a força que desencadeia a energia necessária para que toda a organização trabalhe em conjunto por um objetivo comum. Qual foi a essência que fez a Zup ser uma empresa tão bem sucedida? E quais os aspectos que evoluíram nesses quase dez anos de trajetória?

Gustavo Debs – Vejo que muitos líderes e empreendedores ainda não entendem a profundidade de uma frase de Peter Drucker que, ainda que seja clichê, traz um importante ensinamento: “A cultura come a estratégia no café da manhã”. A cultura está para uma empresa assim como a personalidade e o comportamento estão para uma pessoa. Acho que existe um conjunto muito grande de variáveis para falarmos do sucesso da Zup, mas com certeza a cultura é uma das principais. Entendo que temos muito forte na nossa essência/cultura algumas características predominantes: foco no cliente (customer centric), velocidade na tomada de decisões, lutar arduamente para sempre ter e formar os melhores talentos e ter tecnologia como nosso core. Vejo que nossa visão de evolução e cuidado com as pessoas (colaboradores) foi o aspecto que mais evoluiu nesta jornada até então.

5 – Rogério Nery Siqueira Silva – Recentemente você conheceu a nova sede da Zup em São Paulo. Com a pandemia, e o advento do home-office, qual será o novo papel do escritório? Você acredita que, com a vacina, prevalecerá um modo híbrido e mais flexível de trabalho (parte do tempo em casa, parte no escritório)?

Gustavo Debs – Para o setor de tecnologia, acredito que o modelo que prevalecerá será, sim, um modo híbrido e mais flexível de trabalho (parte em casa, parte no escritório). Entendo que o escritório será um ponto de apoio para encontros e rituais esporádicos e que os profissionais terão mais liberdade de escolherem seu local de trabalho. É bom para as empresas que consigam se adaptar a esse novo modelo. E bom para os profissionais, pois significa mais qualidade de vida.

6 – Rogério Nery Siqueira Silva – Qual o limite entre ser persistente em um projeto e saber o momento de “pivotar” em relação a uma ideia? Conte dois exemplos de sua carreira — um em que valeu a pena ser obstinado e outro em que saber parar foi o mais acertado?

Gustavo Debs – Boa pergunta. Às vezes vejo “pivotar” usado de forma incorreta. Acho que hoje em dia temos muitas ferramentas que nos ajudam a falhar “mais cedo” em uma nova iniciativa, porém o principal problema está no comportamento dos líderes e empreendedores. Vejo que para “pivotar” alguma ideia precisamos ter algumas variáveis em mãos. Poucas empresas ainda hoje têm a capacidade de tomar decisões baseadas em dados e ouvir seu cliente final. Compreensível: ouvir seu cliente final é um exercício de humildade e entender que aquela ideia que você considerava incrível não é tão boa assim. O líder/empreendedor brasileiro acredita muito em intuição e costumo dizer que, se você não é o Steve Jobs, você não sabe o que seu cliente final quer. Tentando não me estender muito, pois o tema por si só vale alguns artigos, acho que a decisão de “pivotar” algo deve ser bem embasada. Deve ser tomada baseada em dados qualitativos e quantitativos. Com relação a um exemplo meu de ser obstinado: quando tentamos entrar no mercado de São Paulo recebemos inúmeros “nãos” de vários clientes. Entendemos que o problema não era nosso produto e sim o tamanho/confiabilidade da nossa empresa. Resolvemos este problema levantando capital e trazendo outros sócios para a operação. Um exemplo meu sobre “pivotar”: o primeiro produto que lançamos era um agregador de e-commerces, que permitia ao cliente final comprar vários produtos em diferentes sites em uma mesma compra (uma TV na Magalu e um livro na Saraiva, tudo dentro do mesmo site e com apenas um clique). O mercado foi completamente contra e boicotou a ideia por ‘N’ motivos. Aproveitamos toda a tecnologia criada para o mercado de grandes empresas.

7 – Rogério Nery Siqueira Silva – Um tema em debate na sociedade é a importância da diversidade — em todos os sentidos — para montar um time inovador e antenado. De que maneira você vê essa questão?

Gustavo Debs – Como introdução ao tema, acho impossível existir inovação em um ambiente não diverso, em um ambiente em que todas as pessoas tenham vivido o mesmo contexto e tenham a mesma visão de mundo. Vejo o debate como super positivo e acho que todos nós, como empresa e sociedade, precisamos evoluir nesse tema. Desde 2018 temos uma turma chamada “Estrelas Fora da Caixa” em que contratamos jovens da favela para ensinarmos a eles programação e, depois, para que eles atuem em projetos em nossos clientes. No próximo ano entramos na nossa quarta turma em formação e esperamos expandir este programa para outros grupos minoritários.

8 – Rogério Nery Siqueira Silva – Em novembro de 2019, a Zup foi adquirida pelo Itaú. O que esse negócio representa para vocês em termos de novos projetos?

Gustavo Debs – Para nós é um motivo de grande orgulho saber que a maior instituição financeira da América Latina escolheu a Zup dentre as mais variadas opções que ela teria. O sistema financeiro brasileiro, devido a fatores históricos e outros detalhes do nosso País, é um dos sistemas mais avançados do mundo em relação a vários aspectos como segurança, flexibilidade e inovação. Então, temos possibilidades gigantescas de criar grandes produtos/plataformas e inovações em conjunto que irão impactar o setor de tecnologia do Brasil e até do mundo.

9 – Rogério Nery Siqueira Silva – Como foi sua experiência na escola de negócios da Stanford University, na California (EUA)? De tudo que você viveu, qual foi o principal aprendizado? E qual o conselho que você daria a jovens que sonham com a chance de complementar estudos no exterior?

Gustavo Debs – Tive a oportunidade de estar duas vezes em Stanford. A primeira há quatro anos, em um programa inédito, quando você era secretário de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais e possibilitou, por intermédio do poder público, que algumas empresas de Minas tivessem esta grande oportunidade. Naquela ocasião foram apenas duas empresas do Triângulo Mineiro e várias de outras regiões do estado que conseguiram obter muito sucesso. Ano passado, retornei novamente para um programa de pós-graduação mais voltado para negócios no geral. O principal aprendizado que tive é o modelo de aprendizado não linear através de estudos de caso e o modelo de design thinking (muita prática e testes rápidos). Modelos de estudos e aprendizado baseados no que deu certo para um ‘caso X’ é completamente subjetivo e você terá outras variáveis para deparar. No nosso sistema educacional, fomos condicionados a ter fórmulas prontas de sucesso e sabemos que, com a dinamicidade dos dias de hoje, precisamos ter várias “ferramentas” em mãos e nos adaptar rapidamente aos mais diversos cenários que enfrentaremos.

10 – Rogério Nery Siqueira Silva – Uberlândia é o berço de muitos empreendedores da área de tecnologia. O que explica esse fenômeno? E até que ponto a Algar – de onde saíram você e outros de seus sócios – contribuiu para esse cenário?

Gustavo Debs – Acredito que todos os grandes polos de startups do mundo tenham uma tríade forte: comunidade, vocação empreendedora (cases regionais de empresas e empreendedores de sucesso) e investidores. Uberlândia tem uma vocação empreendedora muito forte, que vai além da área de tecnologia. Temos vários empresas e empreendedores de sucesso nos mais diferentes segmentos, o que ajuda muito como exemplo para os novos que estão iniciando essa difícil jornada. Vejo que na área de tecnologia temos um ecossistema muito forte e unido (UberHub), que considero uma variável importante para esse sucesso. Entendo que ainda falta a terceira ponta, que são os investidores. A maioria das startups que começa a despontar precisa buscar esse recurso em São Paulo. Mas acho que, com o tempo e maturidade, também iremos conseguir bons resultados neste aspecto.

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