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ROGÉRIO NERY ENTREVISTA: MARCOS GOUVÊA, CONSULTOR EM VAREJO E CONSUMO

A Covid-19 vem alterando o relacionamento entre marcas e consumidores. E o crescimento do
e-commerce é uma das transformações mais relevantes, na análise do especialista em
varejo Marcos Gouvêa de Souza.

Referência no setor, Marcos Gouvêa é diretor-geral da Gouvêa Ecosystem, uma holding
integrada por 15 unidades de negócios que prestam consultoria, soluções e treinamentos para
a indústria de consumo, do varejo e do setor de serviços.

Sua atuação como consultor teve início em 1989, na esteira de uma carreira bem sucedida
como executivo em grandes empresas.

Seu currículo é extenso. Gouvêa é presidente do LIDE Comércio e faz parte do Conselho da BFFC,
empresa que reúne as marcas Bobs, KFC e Pizza Hut.

É fundador e membro do conselho do Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV), entidade
que congrega os mais importantes varejistas nacionais e internacionais que atuam no Brasil; e do
Instituto Food Service Brasil (IFB), organização de fornecedores, distribuidores e operadores do
segmento desse segmento. Também é membro do Ebeltoft Group, aliança global de consultorias
especializadas em varejo em mais de 25 países.

Sua produção inclui diversos livros, incluindo “Marca e Distribuição – desenvolvendo dominação
estratégica e vantagem competitiva no mercado global”, que lhe valeu o Prêmio Jabuti, a mais
relevante condecoração para livros publicados no Brasil.

É, ainda, autor de mais de 800 artigos, em publicações nacionais e internacionais, também é
editor da plataforma de conteúdo Mercado & Consumo, com foco em Varejo, Franquias,
E-commerce e Shopping Centers.

Esses temas são frequentes em palestras que ministra no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa,
entre eles o NRF Retail´s Big Show e o Euroshop.

Além de participar de eventos, o empresário é idealizador de outros.

Com a pandemia, suspendeu uma conferência e feira em âmbito latino-americano, que seria
presencial, e criou uma semana dedicada a debater, em formato 100% online, a retomada do
varejo: o Global Retail Show, que acontece de 13 a 19 de setembro, reunindo 280 palestrantes,
entre eles Peter Diamandis. São 168 horas de atividades, com debatedores e moderadores de
15 países.

Nessa entrevista exclusiva ao site de Rogério Nery de Siqueira Silva, o consultor diz que a pandemia impulsionou uma série de reflexões que vão precipitar um comportamento que demandará mais de marcas, lojas, conceitos, negócios, serviços, em termos de alinhamento.

“Não bastará oferecer um produto e um serviço no tempo certo na hora certa, e com excelência. Há uma expectativa que haja mais do que isso em termos de comprometimento com um mundo melhor.”

Leia a entrevista completa.

1 – Rogério Nery – A pandemia acelerou o processo de transformação do mercado do varejo. De que forma isso vem acontecendo no Brasil?

Marcos Gouvêa – Talvez a mais relevante seja o crescimento no e-commerce. Na pré-pandemia, no Brasil, o e-commerce representava em torno de 5% e nós vamos fechar o ano, em 2020, com 10% de participação no total das vendas de varejo. E esse talvez seja o elemento mais relevante da transformação em termos de participação de canal por conta da pandemia. Agora, ele vai continuar crescendo, mas é sempre importante lembrar que, por enquanto, 90% das vendas do varejo ainda ocorrem em lojas e elas continuarão a ter um papel relevante no processo de vendas de produtos ao consumidor final.

2 – Rogério Nery – No cenário internacional, que tendências podem ser destacadas? Em que o Brasil pode se inspirar?

Marcos Gouvêa – No cenário internacional os processos foram, de alguma maneira, similares àqueles que aconteceram no Brasil, em especial no que diz respeito ao crescimento na participação de vendas digitais via e-commerce. Mas é importante lembrar que antes da pandemia já vinham ocorrendo algumas outras tendências: a de a indústria ir direto ao consumidor final, a concentração de mercado, o aumento de competitividade e o crescimento da participação das marcas próprias no varejo. E o Brasil, de fato, pode se inspirar com tudo que está acontecendo no mundo. E é isso que mostraremos no Global Retail Show, de 13 a 19 de setembro.

3 – Rogério Nery – Qual seria sua recomendação a empreendedores de pequeno e médio porte com relação à estratégia digital? Como eles devem construir suas marcas nesse ambiente e qual a importância delas no mundo online? Para um empreendedor que está começando, hoje, é melhor investir em um marketplace ou em uma loja própria?

Marcos Gouvêa – Para os pequenos e médios que de alguma maneira já estejam no digital ou que queiram entrar para o digital, inegavelmente o caminho dos marketplaces é uma forma para que tudo aconteça mais rapidamente e ele pode se beneficiar pela experiência acumulada desses marketplaces. E, dependendo da resposta que se tenha, pode-se optar por criar um canal direto para além do marketplace ou só permanecer através dele. Mas o fundamental é construir um processo de aprendizado com aquilo que o digital traz de informação. O digital não está transformando o mundo do varejo porque é mais conveniente ou mais fácil, mas está transformando, principalmente, porque permite um cuidado e aprofundamento na informação e comportamento que a loja, habitualmente, não tinha. O marketplace é um caminho mais rápido e fácil para começar a incorporar experiência. Dependendo do tamanho do negócio e do volume de operações, pode-se ficar só no marketplace ou migrar para ter uma operação também própria e, no caso extremo de uma resposta muito positiva de mercado, permanecer só na operação própria

4 – Rogério Nery – O Banco Central instituiu recentemente, de forma oficial, o arranjo de pagamentos PIX e aprovou seu regulamento com operação em novembro. De que modo essa novidade vai mudar o mercado e de que modo pode influenciar datas importantes para o varejo como o Black Friday?

Marcos Gouvêa – A plataforma PIX seguramente vai trazer uma grande transformação no mercado brasileiro. Ela favorece algum nível de desintermediação bancária, favorece também a conexão direta entre consumidores, acelera o processo de pagamento e de recebimento do que foi pago, e a modalidade do pagamento programado, que não está previsto na primeira fase, mas virá na fase seguinte. Vai permitir que o varejo reassuma um espaço protagonista no crédito ao consumidor final. Isso é um longo processo. Se nós olharmos alguns mercados internacionais, isso está mais avançado. Mas aquilo que o Banco Central está fazendo por aqui com o PIX é inovador em muitos aspectos e o Brasil vai virar benchmark em termos globais neste aspecto.

5 – Rogério Nery – Menos de seis meses depois do início da pandemia, o Mercado Livre se tornou a empresa de capital aberto mais valiosa da América Latina, ultrapassando em valor de mercado a brasileira Vale. Na sua visão, isso é um marco para o setor de varejo? E quais os fatores que fizeram esse mercado crescer?

Marcos Gouvêa – Essa evolução que aconteceu como Mercado Livre, tornando-se uma empresa de capital aberta das mais valiosas da América Latina, tem muito a ver com esse processo de relações comerciais diretas entre consumidores – proposta original do Mercado Livre que obviamente nessa evolução do processo incorporou outras modalidades. Mas é inegável que esse processo, que nós já vimos no mercado americano com a relação comercial direta entre consumidores, tende a ocupar um espaço cada vez maior no mercado por esse micro empreendedorismo individual.

6 – Rogério Nery – A pandemia refletiu as desigualdades sociais. De que modo o mercado de varejo vem observando o consumo – tanto nas camadas mais populares como no segmento de produtos de luxo? O auxílio emergencial de fato representou um fôlego para o mercado que atinge pessoas de menor poder aquisitivo? E, na outra ponta, de que modo o mercado de luxo vem reagindo em uma situação de isolamento social?

Marcos Gouvêa – É reconhecido que no Brasil esse é um dos nossos dramas mais sérios e precisamos reconhecer que a pandemia aprofundou o problema de desigualdades sociais. O auxílio emergencial inicialmente criou uma boia de salvação para muitos, e muito mais que o governo esperava, que usaram essa boia de salvação para atravessar o período mais difícil. Mas é insustentável o auxílio emergencial, no valor que ele tem, e quem sabe seja insustentável esse auxílio em qualquer valor. Nós vamos ter de criar condições na economia para que tenhamos crescimento de emprego e renda que não necessite de um instrumento como o auxílio emergencial. Mas está claro que ele teve um papel fundamental na travessia deste período e reconfigurou o potencial de consumo no país, transitoriamente em parte, e em outra parte em termos quase que definitivos. Com respeito ao mercado de luxo, este é um segmento de consumidores que usualmente têm uma atitude um pouco mais racional em alguns aspectos e mais emocional em outros. É um segmento que, no primeiro momento, reagiu como todos os outros, travando, segurando e evitando gastar. E que vai voltar de uma forma muito gradual porque são consumidores que têm um nível de consciência bastante grande dos riscos envolvidos e têm opções, seja em promover coisas no ambiente do seu próprio lar, em reuniões privadas. Esses consumidores têm opções que as camadas mais pobres não necessariamente têm, também.

7 – Rogério Nery – O crescimento das compras online irá provocar que transformações no segmento de lojas físicas, especialmente shopping centers? Que estratégias estão sendo pensadas para que a experiência de ir a um centro de comprar se mantenha relevante? De que forma esses espaços, e as lojas físicas, precisarão se reinventar? Como criar a experimentação de produtos no mundo online e como se diferenciar além de preço?

Marcos Gouvêa – Com respeito ao desafio representado pelo crescimento das compras online, ele realmente é impactante no sentido de que ele não só cria uma opção mais conveniente, mais fácil e mais racional para o consumidor, mas também leva para as lojas um consumidor que vai estar mais informado, que vai comparar preços e ofertas. E, claramente, as lojas continuarão a operar de forma relevante como sempre foram. Basta lembrar que no mercado da China que tem mais de 30% das vendas feitas pelo e-commerce no varejo total, as lojas são muitíssimo importantes, seja na alternativa do pickup do produto, seja para ser um pulmão para fazer delivery próximo a um determinado local. Mas, sem sombra de dúvidas, elas terão de ser repensadas na sua proposta, incorporando mais experiência, mais emoção. Aquela figura que nós já usamos algumas vezes do PDV do passado que se transforma no PDX, onde X significa o tudo. Seja a experiência, seja a informação, seja entretenimento, seja mídia, seja relacionamento, seja informação, atualização; vai ser cada vez mais presente. E a razão disto é que os consumidores, caso precisem de conveniência e preço mais competitivo, talvez tenham vantagens no canal digital. Mas não é tudo isso que a gente precisa na vida, nós precisamos mais do que isso. Nós precisamos de emoção, entretenimento, envolvimento, olhar e toque humano. E as lojas nesse aspecto terão de se reposicionarem para darem respostas a essas demandas; igualmente, os shoppings centers e centros comerciais. Naqueles produtos, naquelas categorias de compras mais racionais, como eletroeletrônicos, material de construção e outros, provavelmente o e-commerce vai representar um percentual ainda maior de participação nas vendas pós pandemia. Mas o que vai crescer muito também para shoppings centers e centro comerciais é a alternativa de trabalharem ampliando a gama de serviços ofertados. Educação, lazer, entretenimento, alimentação, a própria base de turismo. Tudo isso deverá crescer nos centros comerciais porque também vai haver uma redistribuição dos dispêndios das famílias em relação às diversas categorias de produtos e de serviços.

8 – Rogério Nery – Questões sociais e ambientais estão cada vez mais em pauta na agenda do mundo e do País, seja com movimentos como o #BlackLivesMatter, seja com o anúncio da Natura para o Dia dos Pais ou como no recente manifesto de líderes de grandes empresas brasileiras que pediram combate ao desmatamento na Amazônia. De que modo esses temas vão influenciar o mercado de varejo, que são particularmente sensíveis para as chamadas Gerações Y e Z?

Marcos Gouvêa – Talvez o maior fator de transformação é a atitude e a demanda das novas gerações com respeito a esses elementos de natureza sociais e ambientais. Essas novas gerações têm de fato uma relação com esses temas diferentes do que as gerações anteriores mostravam. E as marcas as lojas, tem que dar resposta a isso. Não podemos esquecer que nós estamos vivendo tempos aonde a oferta de produtos e serviços vinham crescendo demais. Durante a pandemia nós tivemos um encolhimento disto por conta das contingências geradas pela pandemia. Passada a pandemia, as pessoas, de forma geral, terão repensado uma série de valores, em especial aqueles ligados a uma atitude em relação à vida, em relação a si próprio, em relação à sociedade, que vão precipitar um comportamento que demandará mais de marcas, lojas, conceitos, negócios e serviços, em termos de alinhamento. Não bastará oferecer um produto e um serviço no tempo certo, na hora certa e com excelência. Há uma expectativa que haja mais do que isso em termos de comprometimento com um mundo melhor.

9 – Rogério Nery – Muita gente passou a pedir comida em casa durante a pandemia. De que modo o mercado de food service está se reestruturando para atender a esse público que descobriu essa conveniência e ainda tem um certo temor de sair? Quais as tendências?

Marcos Gouvêa – Na pré-pandemia já havia o crescimento daquilo que nós chamamos da alimentação preparada fora do lar que é o Foodservice. Durante a pandemia, houve um crescimento significativo da demanda precipitada pela necessidade e pela conveniência. Importante lembrar que o delivery no setor de Foodservice cresceu em torno de 160%, 180%, durante esse período e muitas famílias e muitas pessoas descobriram virtudes, vantagens e conveniência dessa modalidade. E outros, também, descobriram as fragilidades. Então, o que vai emergir do lado da oferta é um mercado mais maduro, maior e mais profissional na oferta e do lado da demanda, um crescimento superior aquele que havia no passado. E vão se desenvolver como já se desenvolveram alternativas, para melhorar o nível de serviço na oferta do delivery. Que vão desde as dark kitchens até modalidades de entrega que são montadas para permitir maior agilidade e conveniência em todo o processo. E muitos daqueles que, na pré-pandemia, não faziam nada de delivery ou eram muito limitados, tiveram, por contingência, a necessidade de incorporar esse canal e provavelmente irão permanecer nesse canal porque a demanda terá crescido.

10 – Rogério Nery – Em função da pandemia, a Gouvêa Ecosystem decidiu transformar um evento tradicionalmente realizado de forma presencial em uma espécie de Rock in Rio online. Uma das vantagens de um evento presencial é o networking, é o cafezinho, é poder visitar um estande. Como será transportar essa experiência para esse ambiente? Na sua opinião, o mercado de eventos caminha para um modelo mais híbrido?

Marcos Gouvêa – Nós, quando percebemos em meados de abril deste ano que o nosso principal evento no Brasil, o LATAM Retail Show, dificilmente seria realizado nos moldes que ele estava concebido, tentamos fazer do limão uma limonada. Ao invés de simplesmente fazer mais um evento virtual (e não faltam eventos virtuais por aí); nos desafiamos a fazer um evento virtual único e global. E por isso acabamos integrando 15 países, integrando 276 palestrantes, 168 horas de conteúdo, tudo com uma curadoria, que tem a preocupação de mostrar o que de mais relevante, de mais atual, mais abrangente exista em termos de varejo, consumo, ou seja, diversas categorias, diversos canais, diversos mercados, integrando serviços, tudo que possa significar uma real contribuição para que as empresas possam emergir da crise melhores do que entraram. É sabido que essa crise gerada pela pandemia fragilizou muitos negócios e a nossa preocupação foi de alguma maneira buscar criar soluções que ajudem a reduzir o “gap” entre a situação anterior e esta situação criada pela pandemia, mas principalmente, gerando uma proposta mais ambiciosa, mais moderna, mais atual, mais tecnológica, mais alinhada com o futuro, graças à contribuição desses palestrantes todos que se dispuseram a compartilhar seus aprendizados com o mercado. Precisamos confessar que estamos gratificados pela perspectiva do que está sendo gerado para o mercado. Mas temos também a certeza de que quem puder acompanhar tudo o que foi feito, vai de uma forma muito objetiva se dar por muito satisfeito, com aquilo que será apresentado; e trocando ideias.

E o mercado de eventos vai sofrer uma transformação muito grande, seja pela percepção de que pode ser diferente, seja porque existe uma pressão crescente sobre custos, seja porque a tecnologia criou oportunidades e alternativas que permitem a reinvenção do mercado de eventos. Eu acho que nunca mais eventos ou o mercado serão iguais ao passado. Esta combinação do virtual com o presencial estará cada vez mais presente e novas alternativas tecnológicas serão criadas para permitir que se substitua o cafezinho ou o almoço de um evento presencial por algo igualmente interessante, eficiente, conveniente e talvez menos custoso através da tecnologia. No Global Retail Show nós teremos uma plataforma que foi batizada de OMININTERAÇÃO, onde todos os participantes poderão estar em conexão com os demais participantes o tempo todo para de alguma maneira facilitar esse contato, que é algo até superior ao que existia num evento presencial aonde você tinha que encontrar fisicamente uma pessoa ou ficar mandando mensagem de WhatsApp. Pela plataforma que foi criada, as pessoas irão se conhecer virtualmente e poder começar a discutir negócios e oportunidades no ambiente do próprio evento e após o evento.

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